Ler é saúde

Leitura tem sido usada como aliada no tratamento de doenças psiquiátricas, e estudos comprovam sua eficácia para elevar a autoestima

 “A leitura engrandece a alma”, disse o filósofo francês Voltaire, no século 18. O que ele não sabia é que 300 anos depois o hábito seria capaz também de ajudar a curar. A utilização da leitura para tratar pacientes com transtornos psiquiátricos e emocionais tem crescido em todo o mundo e se tornado cada vez mais aceita por entidades médicas internacionais.

Centros de pesquisa como o Veterans Administrations – que cuida da saúde dos militares norte-americanos – e o Instituto Sonia-Shankman – que mantém um trabalho voltado para crianças em Chicago (EUA) – garantem que a leitura tem sido uma importante aliada no tratamento de disfunções como distúrbios do sono, esquizofrenia, transtorno bipolar, depressão e dependência química. A terapia com livros aumenta a autoestima do paciente, que percebe que seu problema já foi vivido por outras pessoas.

Na Inglaterra, médicos já prescrevem livros, além dos medicamentos, para o tratamento contra ansiedade e depressão. A iniciativa tem o apoio de entidades médicas e do governo britânico e consiste em encaminhar pacientes a bibliotecas em busca de títulos de apoio e autoajuda voltados para pessoas com problemas de saúde mental leve e moderados. Os médicos emitem uma receita e, com ela, os pacientes ganham inscrição imediata na biblioteca mais próxima, com acesso aos títulos recomendados.

Também no Reino Unido, uma pesquisa revelou que o hábito de ler reduz os níveis de estresse em 67%. O estudo foi feito pela organização Reading Agency, responsável em promover a leitura naquele país. A instituição destacou estudos publicados no New England Journal of Medicine sobre a diminuição do risco de demência, reduzido em mais de um terço da população que mantém o hábito da leitura.

Para Lourdes Sá, de 88 anos, a idade não é motivo para restringir o hábito da leitura. “Eu leio bastante. Com a leitura você aprende. Quem tem o hábito de ler tem mais cultura do que quem não tem. Eu gosto muito e, quando eu começo um bom livro, não quero mais parar. Recentemente li a trilogia “Millennium”, que foi um best-seller do sueco Stieg Larsson. Agora, acabei de ler “Os pilares da terra”, do escritor Ken Follet. É muito interessante, porque ele narra fatos históricos com personagens fictícios.”

Até mesmo o mal de Alzheimer, doença que compromete a memória e as funções cognitivas, pode ser combatido com ajuda dos livros. A conclusão foi divulgada por pesquisadores da Universidade do Kentucky (EUA), responsáveis por um dos mais extensos estudos feitos sobre a doença. Os pesquisadores investigam o envelhecimento de 678 idosas, a partir de avaliação pessoal e médica e testes cognitivos. A pesquisa ajudou a entender a relação entre estilo de vida e o aparecimento da doença. Um alto nível educacional e vida intelectual ativa, por exemplo, não evitam a doença, mas protegem o cérebro de seusefeitos destrutivos.

Em entrevista ao jornal New York Times, a diretora da Reading Agency, Miranda McKearney, afirmou, inclusive, que existem evidências de que obras de autoajuda podem beneficiar quem tem problemas como ansiedade ou depressão.

E não é só isso. Para a analista de sistemas Carolina Souza, de 30 anos, este tipo de leitura já a auxiliou a tomar decisões em momentos de dúvidas profissionais. Ela conta que buscou um coach – profissional que assessora com o objetivo de otimizar a performance profissional e pessoal de seus clientes –, e ele indicou a leitura do livro “Pare de se sabotar e dê a volta por cima”, do psicoterapeuta Flip Flippen, que a ajudou bastante a tomar as melhores decisões na carreira. “Foi muito bom. Eu aprendi muito e indiquei para as amigas. Fui percebendo como as nossas próprias limitações não nos fazem bem e como é possível se distanciar delas.” Carolina não tem preconceitos com livros de autoajuda e conta que sempre consegue tirar deles alguma lição positiva para o seu dia a dia. “Busco muito conhecimento através dos livros. O aprendizado é um processo, e cada livro traz um ensinamento diferente”, completa.

No Brasil, um projeto de lei do deputado Giovani Cherini (PDT-RS) pretende incluir o uso da biblioterapia nos hospitais públicos ou instituições de saúde conveniadas pelo Sistema Único de Saúde (SUS). Para Cherini, a leitura é utilizada em tratamentos médicos desde o início do século 19, humaniza o ambiente hospitalar e ameniza até 80% dos sintomas. “Hoje, vem sendo desenvolvido por equipes interdisciplinares com a constante participação dos bibliotecários, psicólogos e médicos, sendo no Brasil as regiões Sul e Nordeste as que concentram os maiores índices de aplicabilidade”, defende o deputado no projeto.

De acordo com a proposta, os materiais de leitura com função terapêutica só poderão ser prescritos e comercializados após autorização específica do Ministério da Saúde. Os exemplares contarão com um selo onde constará a inscrição “Recomendado pelo Ministério da Saúde”. O projeto também autoriza a venda de livros biblioterápicos em farmácias, drogarias e livrarias. Para ser aprovada, a proposta ainda precisa ser analisada pelas comissões de Seguridade Social e Familiar e de Constituição e Justiça e Cidadania da Câmara dos Deputados.

Fonte: Folha Universal